16.12.2019 | A Etiópia entrou no nosso itinerário por acaso. O país não estava considerado na nossa lista inicial, mas acabou entrando no roteiro por 2 grandes motivos: sua história e beleza que até pouco tempo atrás desconhecíamos; e a oportunidade de fazer um trabalho voluntário no final do ano (tema do próximo post). 😉
Pegamos um voo de Nairóbi para Addis Abeba – capital da Etiópia – na segunda (16.12) pela manhã. Voltaríamos para Addis em cerca de 1 semana, mas por enquanto fizemos apenas uma escala rápida no aeroporto e seguimos para nosso próximo destino: Mek’ele.
Mek’ele é uma cidade no norte da Etiópia e não é um destino muito turístico, mas serve de base para muitos passeios. Entre um tour e outro, acabamos dormindo duas noites por lá. Aproveitamos para caminhar pela cidade no fim da tarde e nos surpreendemos com o nível de organização e limpeza da cidade. Nos chamou a atenção também a quantidade de pessoas na rua aproveitando os cafés e bares da cidade. Foi quando decidimos pesquisar o tamanho da cidade e descobrimos que ela tem 1 milhão de habitantes! 😱



A Etiópia inevitavelmente ainda está no imaginário popular como um país extremamente pobre onde milhares de pessoas morrem de fome anualmente, algo que realmente aconteceu nos anos 70-80. Estima-se que mais de 1 milhão de pessoas tenham morrido de fome entre 1983-85 por conta de regimes desastrosos de governo, incluindo um imperador caricato (Haile Selassie) e uma junta militar com viés comunista (Derg). Quem tiver curiosidade, vale a pena pesquisar mais. O livro “O Imperador” de Ryszard Kapuscinski descreve algumas das bizarrices do governo de Haile, tal como a função oficial de “portador do travesseiro” que deveria sempre posicionar um travesseiro sob os pés do imperador quando sentado ao trono; ou as histórias do seu cachorro Lulu que não tinha restrições sobre onde fazer suas necessidades, incluindo os sapatos de algumas autoridades… 😅
A Etiópia de fato ainda é um país pobre, ocupando os últimos lugares nas listas de renda per capita e IDH, entretanto o país vem crescendo em uma velocidade impressionante (10% a.a. ao longo de mais de 10 anos), algo de dar inveja até pra China. Esse crescimento se faz notar no número de prédios e estradas em obras.
Voltando à viagem, na manhã no dia seguinte à nossa chegada no país, demos início ao nosso passeio dos próximos 3 dias: Depressão de Danakil / Dallol e vulcão Erta Ale. No primeiro dia do tour, passamos a maior parte do tempo no carro, explorando as lindas paisagens das regiões de Tigray e Afar.



No final da tarde, chegamos no nosso destino e fomos direto conhecer o deserto de sal da região, formado há mais de 200 mil anos, quando o Mar Vermelho invadia a depressão. Chegando lá, o motorista perguntou se tínhamos interesse em dar um mergulho em uma das “piscinas” de água salgada da região. Eu (James) não tive dúvida e logo estava boiando na água que, segundo eles, tem um percentual de sal maior que o Mar Morto. 😱
Logo que saí da água, o motorista trouxe um galão de água doce improvisado e perguntou se eu queria tomar “banho”. Falei que poderia esperar até chegar no acampamento, mas foi aí que descobri que não teríamos banho no acampamento. 🤦♂️
Bom, me lavei o máximo que pude com o galão improvisado, mas continuei bem salgado pelos próximos 3 dias. Fica o aprendizado… 😅



Na sequência da piscina, fomos até uma outra parte deserto de sal para ver o pôr do sol… As fotos, no estilo Salar de Uyuni, explicam melhor que palavras.




Logo após o pôr do sol, fomos até o local onde passaríamos a noite e então entendi porquê não teríamos banho… O local nada mais era do que uma estrutura de madeira onde o pessoal do tour preparava as comidas. Nossas camas improvisadas ficavam ao ar livre, literalmente, sob milhões de estrelas. O banheiro era qualquer lugar logo depois do morrinho de areia. 😅 A noite foi muito mais agradável do que esperávamos e a experiência inesquecível. O banho já nem tinha mais tanta importância… 😬
No dia seguinte, acordamos cedo para conhecer a atração mais esperada do passeio: Dallol, localizada na depressão de Danakil, também conhecida como a região mais quente do mundo, com temperaturas que chegam facilmente aos 50ºC. A região fica a mais de 100 metros abaixo do nível do mar, em uma região de grande atividade geotérmica. A visita só é possível bem cedo, quando já estava 30ºC, porque as temperaturas tendem a subir com rapidez depois do nascer do sol. 🥵
O que torna o local especial é a mistura de elementos químicos (ferro, enxofre, sal) que brotam da terra e fazem com que a água e a terra do local tenham um colorido único. Parece um cenário extra-terrestre! Só vendo pra crer… 👽😱






Depois de conhecer o local por cerca de 1 hora, passamos novamente pelo deserto de sal para ver o trabalho dos locais que ganham sua vida extraindo sal da região de forma bem rudimentar e os transportam com camelos para os grandes centros.



De lá, seguimos em direção a outra grande atração do tour: o vulcão Erta Ale. O Erta Ale é um dos vulcões mais ativos do mundo, mas desde 2017 sua atividade está reduzida e com isso o volume de lava diminuiu muito, mas nem por isso deixa de ser uma atração especial.
Chegamos no fim da tarde na base do vulcão, onde jantamos e no início da noite iniciamos a subida até a cratera do vulcão, onde iríamos dormir novamente debaixo das estrelas. 🤩
Logo que subimos, fomos conferir a atividade no vulcão. Mesmo com o baixo volume, observar o poder e calor da lava é impressionante. As fotos não fazem jus (precisamos investir em uma cara melhor 😬),


Mas no dia seguinte pela manhã voltamos ao local para ver o nascer do sol. Algo espetacular! Com a ajuda da luz do amanhecer, é possível entender que toda área que estávamos caminhando é pura lava petrificada (resultado da erupção de 2017) e o nascer do sol em si foi algo super especial também.







No dia seguinte, voltamos a Mek’ele para passar nossa segunda noite. Durante a tarde aproveitamos para passear um pouco pelo centro da cidade e à noite jantamos com o dono da agência que fechamos o passeio, o Gere (da Alpha Ethiopia Tours and Travel), uma pessoa muito gente fina e que faz de tudo para que o passeio seja o mais memorável possível.

Na manhã seguinte, partimos em direção a Gheralta, uma região montanhosa que abriga algumas das igrejas mais inacessíveis do mundo. As igrejas católicas ortodoxas de Gheralta foram esculpidas por volta do século 6-7 e intrigam pela dificuldade de acesso.
Visitamos apenas uma das mais de 100 igrejas da região, Abuna Yemata, tida como a mais difícil de acessar. Para chegar até a igreja, é necessário escalar com a ajuda de guias locais paredões rochosos e caminhar por estreitos caminhos à beira de um precipício. 😱







Chegando lá, fomos apresentados ao padre responsável por abrir e cuidar da igreja. Segundo os guias, ele sobe e desce diariamente o trajeto há mais de 50 anos. 😱 Internamente, a igreja possui lindas pinturas, conservadas ao longo dos anos por conta da aridez do local e a vista lá de cima também é impressionante!



Ficamos com vontade de conhecer outras igrejas da região, mas infelizmente tínhamos que seguir viagem. Fica pra próxima! Antes de seguir viagem, paramos para almoçar num simples restaurante local. Daqueles lugares que você se sente “da casa”, uma experiência que não se vive nos pontos turísticos. Por lá comemos injera, o tradicinal pão chato etíope que é feito de teff, um grão originário do próprio país.
A massa da injera fermenta durante 2-3 dias antes de ser assada em grandes placas. O pão vem acompanhado de molhos variados, na maioria das vezes vegetarianos, já que por questões religiosas o povo etíope faz jejum de carne em alguns dias da semana e também em alguns períodos do ano, como os 40-50 dias que antecedem o natal, período que estávamos por lá. A injera é a base da alimentação deles e normalmente é comida tanto no almoço como na janta com variações nos tipos de acompanhamentos. É o arroz com feijão deles.
Outra característica interessante é que a refeição é servida numa grande bandeja, como se pode ver nas fotos abaixo. As pessoas se reúnem ao redor dela e compartilham esse grande pão, sempre comendo com as mãos. Vale ressaltar que eles são extremamente rigorosos com a limpeza das mãos. Depois de semanas almoçando e jantando injera, dava vontade de variar o cardápio… mas ao rever as fotos já da água na boca e muita vontade de comer esse delicioso prato! 😋


Retomando a viagem, nosso próximo destino seria Axum, a cidade mais histórica da Etiópia. Axum (ou Aksum) foi a sede do reino Axumita que prosperou na região entre os séculos 1 e 7 d.C.. O reinado foi um dos mais desenvolvidos do mundo, possuindo relações comerciais com algumas da nações mais prósperas da época e inclusive com o Império Romano.
Outra curiosidade é que o reino de Axum foi a primeira grande civilização fora de Roma a adotar o cristianismo, logo após Constantino declará-la como a religião oficial do Império Romano no século 4. Isso explica o porquê de algumas das igrejas cristãs mais antigas, como Gheralta, estarem na Etiópia e também alguns fatos curiosos e controversos que vamos contar a seguir.




Reza a lenda que o Arca da Aliança (“Ark of Covenant”), que abriga a tábula com os 10 mandamentos, está em Axum! 🤔 O assunto é super controverso, mas segundo os locais (e algumas fontes internacionais), a Arca viajou para a Etiópia no século 10 a.C. (~3000 anos atrás), depois que a Rainha Sheba da Etiópia visitou o Rei Salomão em Jerusalém (sim, o importante rei judeu) e dele teve um filho, chamado Menelik. Menelik retornou a Jerusalém posteriormente e de lá trouxe a Arca. Alguns especulam que ele tenha roubado, enquanto outros dizem que o Rei Salomão pediu que ele a levasse para evitar que fosse saqueada.
Enfim, a Arca teoricamente se encontra em uma capela (foto maior abaixo) da igreja Nossa Senhora de Sião (Church of Our Lady Mary of Zion – fotos menores) em que apenas um monge, tido como o guardião da Arca, tem acesso. Verdade ou lenda, o fato é que praticamente todo etíope leva a história muito a sério e cada igreja do país possui uma área restrita onde uma “cópia” da tábua dos 10 mandamentos é mantida…



Outra curiosidade religiosa é que os etíopes acreditam que um dos 3 Reis Magos, que visitaram Jesus no nascimento, era etíope e sua tumba fica em Axum. 🤔
A cidade hoje perdeu a grandeza de tempos passados, mas ainda impressiona pela história e os obeliscos (stelae) que até hoje marcam tumbas de reis importantes do império Axumita. A cidade também nos encantou que seu clima de vila pequena e acolhedora, não tão habituada a receber turistas. 😊




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