24.12.2020 | Chegamos em Addis Abeba na véspera de Natal para iniciar nossas 2 semanas de trabalho voluntário na EEF (Ethiopian Education Foundation – www.ethiopianeducationfoundation.org). Fomos recepcionados no aeroporto pela Alice que, junto ao Giulio, gerenciam o alojamento onde ficaríamos hospedados. A Alice é inglesa e, apesar de jovem, tem uma experiência considerável com voluntariado, tendo trabalhado na Índia por um bom tempo. No caminho para o alojamento, ela nos explicou um pouco melhor o funcionamento do alojamento e tirou nossas dúvidas sobre como poderíamos ser úteis nesses próximos dias por lá.
A EEF é uma organização inglesa que patrocina estudantes carentes com bom desempenho escolar. O patrocínio consiste em fornecer bolsas de estudo em um dos melhores colégios particulares da Etiópia, além de moradia, refeições e outras ajudas pontuais. Cada criança tem um patrocinador (pessoa física) específico que paga anualmente cerca de 1.000 libras esterlinas (~6.000 reais) para manter um estudante no programa.
Os estudantes são selecionados no fim do 1º grau e passam a se juntar à “família EEF” no início do 2º grau, que consiste em 4 anos de estudo (1 a mais que no Brasil). Anualmente, cerca de 50 estudantes são patrocinados pela EEF e praticamente todos vivem no alojamento da EEF em Addis. 👏😃
Nosso papel, como voluntários, é prover os estudantes com suporte escolar e atividades extracurriculares. Em outras palavras, ajudávamos eles com tarefas, aulas de inglês e atividades mais lúdicas, como jogos e quiz. Outro papel importante é trazer uma perspectiva externa, de mundo, para que as crianças possam conhecer mais sobre outros países e culturas. 😊
Ficamos hospedados no próprio alojamento dos estudantes, em um quarto simples, mas privado em que pudemos desfazer as malas de viagem e nos fixar por 2 semanas.
Logo que chegamos no alojamento, fomos recepcionados por vários estudantes (e o cachorro Jackie 🐕 😍) com uma celebração tradicional etíope: a cerimônia do café, onde os próprios estudantes preparam e compartilham café ao redor da mesa. Conforme descrevemos em detalhe no post anterior, café é uma bebida super importante na cultura do país e toda reunião familiar ou entre amigos é acompanhada da bebida. Aproveitamos a cerimônia para nos apresentar brevemente e falar das nossas expectativas para as próximas semanas e eles retribuíram com muitos sorrisos e boas-vindas. 😃 Depois disso, ficamos interagindo com algumas crianças e jogando alguns jogos de tabuleiro. Jantamos ali mesmo e logo fomos descansar.

Se você prestou atenção na data que chegamos, deve estar se perguntando: mas e o Natal? 🎅
Bom, conforme descobrimos um pouco antes de chegar ao país, a Etiópia tem um calendário próprio e, com isso, datas comemorativas diferentes das nossas. Como o país nunca foi colonizado (aliás, eles são muito orgulhosos desse fato por ser uma exceção na África), eles nunca mudaram o seu calendário que consiste de 12 meses com 30 dias fixos e um mês adicional com 5 ou 6 dias. Com isso, o Natal etíope é comemorado no dia 07.01 e o dia 25.12 nada mais é que um dia normal para eles. 😱 Aliás, a Etiópia é um país realmente peculiar. Além do calendário, as horas também são diferentes: 6 da manhã marca o início do dia deles, ou seja, 0 horas; meio-dia é 6h; e assim por diante… Eles até que estão acostumados com nossa forma de ver as horas, mas sempre precisam parar alguns segundos antes de responder “Que horas são?” 😂
Voltando ao Natal, por sorte, nosso último dia de voluntariado seria o dia 07.01 e, portanto, teríamos a chance de conhecer o Natal etíope também. 😉

De qualquer forma, no dia seguinte ao que chegamos – 25 de dezembro – aproveitamos a ocasião para ligar para as nossas famílias no Brasil e compartilhar de longe o espírito natalino. Saímos para almoçar e pedimos um frango assado, o mais parecido com peru que conseguimos encontrar… haha 😋
Nossos dias no alojamento eram mais tranquilos de manhã e de tarde, enquanto os estudantes estavam na escola, quando aproveitávamos para escrever no blog e trabalhar nas reservas futuras, bem como nas atividades que teríamos com os estudantes no fim do dia.
A partir das 16h, os estudantes voltavam para o alojamento e nossas atividades com eles seguiam até cerca de 20h. Um dia de semana comum consistia em ajudar os alunos com as tarefas (algumas bem difíceis aliás 😬), praticar inglês com os mais novos, ajudar os estudantes do último ano com suas inscrições para universidades, e assim por diante…




À noite, as crianças jantavam no próprio alojamento e cada dia havia um prato distinto, mas normalmente vegetariano e sempre acompanhado da tradicional injera. Como já falamos no primeiro post sobre a Etiópia, a injera é uma espécie de crepe de fermentação natural e é a base de praticamente toda refeição na Etiópia. Ao acompanhar a rotina das crianças constatamos que esse é mesmo o “arroz com feijão” dos etíopes, e eles adoram e não abrem mão! A refeição era normalmente servida em uma grande travessa e as crianças se separavam em grupos e compartilhavam um dos pratos. Com a mão, eles pegam a injera, que é usada como se fosse um talher, e devoram sem cerimônia. 😋
A comida, apesar de simples, era boa. Nós comíamos com eles alguns dias da semana e em outros saíamos para dar uma diversificada.


A cada 3-4 dias, organizávamos atividades interativas com todos. A primeira foi um quiz sobre o Brasil, o qual foi um sucesso e as crianças adoraram. Depois ainda organizamos outros 2 quiz e também uma apresentação sobre educação financeira. Durante os finais de semana, tínhamos algumas atividades de estudo com os estudantes aos sábados e o domingo livre para explorar a cidade.
No primeiro sábado tivemos a oportunidade de conhecer a casa da família de um dos estudantes que vivia no alojamento, o Biruk. Para ir até lá, pegamos uma das linhas de minivan que compõem sistema de transporte coletivo da cidade. Mas vale citar que os meios de transporte também estão se desenvolvendo em Addis, e também poderíamos ter pego uma das duas linhas de VLT que cruzam a cidade. Ao chegarmos em Megenagna, cruzamos o mercado local que acontece aos sábados na região, onde se comercializam desde grãos e carne até roupas e eletrônicos. Quando passamos em frente a uma das diversas vendas de café, Biruk nos alertou que tínhamos chegado a casa dele.



Durante o caminho, o Biruk nos contou um pouco mais de sua história. Ele não sabe quem é seu pai e perdeu a mãe quando criança. Seus familiares mais próximos são as irmãs mais velhas, que o criaram, e que vivem com as tias no centro de Addis. Infelizmente não tivemos a oportunidade de conhecer as irmãs que estavam trabalhando, mas as tias foram super receptivas e deixaram explícito a alegria de ter seu sobrinho no programa da EEF. A casa é bem simples e em um mesmo cômodo vivem as irmãs e o próprio Biruk quando vai visitá-las. Saímos de lá refletindo na realidade tão diferente e no choque transformador que a educação pode causar em uma família. 🙂




No domingo, aproveitamos nosso dia livre para, junto com a Alice, conhecer o Museu Nacional da Etiópia. O Museu é famoso por abrigar a ossada de Lucy, nosso antepassado bípede mais antigo com cerca de 3,2 milhões de anos, e tem uma área bem interessante sobre evolução humana. Entretanto, naquele dia, a imagem da Lucy foi parcialmente ofuscada por um encontro inesperado. Logo que chegamos no museu, demos de cara com Angelina Jolie e 4 dos seus 6 filhos. 😱 Não tivemos muita reação e nem sequer conseguimos fazer uma foto por respeito à família, mas mesmo assim virou história para contar. 😅


Passada a primeira semana, começamos a planejar nosso réveillon. Novamente, essa não era uma data celebrada pelos etíopes por conta do calendário distinto, mas queríamos comemorar de alguma forma. O Giulio, outro gerente do alojamento, tinha acabado de voltar de férias e nos convidou para jantar e ir em uma festa com ele e um amigo. Jantamos em um restaurante italiano de um amigo dele e a comida estava deliciosa. A Gabi, porém, não tinha digerido muito bem alguma coisa no almoço e o jantar voltou logo que caiu no estômago. 🤦♂️ Por sorte, ela conseguiu correr até o banheiro antes… 🤢
Depois disso, a Gabi deu uma melhorada e decidimos seguir até o próximo local para celebrar a virada. O local nada mais era que um restaurante que improvisou uma pequena festa para expatriados, mas ali notamos que réveillon não é o forte dos etíopes… A contagem foi atrasada e, logo que passou a virada, a grande maioria das pessoas já foi embora. 🤦♂️ Ficamos ali por mais uma hora e decidimos voltar pro alojamento, enquanto o Giulio e seu amigo foram tentar a sorte em outro lugar. Ficamos com a impressão que 2019 não acabou e teremos que celebrar em dobro no próximo ano. 😅
Entre um dia e outro de voluntariado, decidimos conhecer durante uma de nossas manhãs o Merkato de Addis, considerado o maior mercado a céu aberto da África. Passeamos pelas ruas entupidas de gente e ainda acabamos presenciando uma grande multidão de muçulmanos durante uma reza coletiva (tradicional às sextas-feiras)… Almoçamos ali por perto e depois fomos tomar café no Tomoca Café, tido como um dos melhores cafés da cidade.






No último fim de semana, a Gabi decidiu organizar uma atividade de decoração de Natal com as crianças. Algumas delas aproveitaram o feriado para viajar, mas pelo menos metade ficou no alojamento e celebraria o Natal ali mesmo. Compramos papéis coloridos e outros aparatos de decoração e começamos a chamar as crianças para ajudar. Elas demoraram um pouco para pegar o ritmo, mas depois não queriam mais parar de cortar e desenhar. O resultado ficou bem legal!


Ainda no sábado, encontramos um amigo meu (James) da época de consultoria que estava de passagem por Addis depois das férias de fim de ano. Saímos para jantar com ele e a esposa que estão morando em Angola. Foi ótimo reencontrar uma cara familiar depois de um bom tempo sem encontrar brasileiros (acho que o último tinha sido na África do Sul).
No domingo, aproveitamos esse inusitado encontro de brasileiros na Etiópia e fomos conhecer um pouco mais do centro de Addis. Visitamos o Red Terror Martyrs’ Memorial Museum, que apesar de estar mal conservado, ajuda a ilustrar o triste período em que o país esteve sob o regime comunista (conhecido aqui como Derg), nos anos 80, quando muita gente passou fome no país. No primeiro post sobre a Etiópia explicamos um pouco mais sobre esse assunto e também sobre a história do país.
Retomando o passeio, passamos pela Praça Meskel, onde muitos corredores se reúnem na escadaria semi-circular para treinar, no início e no final do dia. Segundo a lenda, ao subir e descer a escada, correndo ao longo de todos os degraus, a distância de uma maratona – 42km – é percorrida. Não foi dessa vez que fomos conferir… 😅 Para fechar o passeio fomos almoçar num tradicional restaurante etíope.



Começamos a semana seguinte em ritmo de despedida. Nosso voo para o Egito seria na quarta (08.01), mas antes disso teríamos a oportunidade de finalmente participar do Natal etíope na terça, 07.01.
No dia de Natal, ficamos sabendo que a refeição seria especial: Doro Wot. A comida é um ensopado apimentado a base de frango ou cordeiro que é servido com a famosa injera (sempre ela 😋). Conforme aprendemos lá, vários católicos ortodoxos praticam o jejum e essa seria a primeira refeição com carne em cerca de 50 dias. Eles passam semanas no ano sem consumir carne ou qualquer derivado animal (ovo, leite, etc.).
Enfim, o Natal teve muita comida, música, dança e diversão. Na parte da tarde, boa parte das crianças foram pra igreja e nós aproveitamos para organizar as coisas, pois partiríamos já na madrugada seguinte.




No resto do dia, fomos nos despedindo de todos e trocamos email / Facebook para manter contato. Apesar de não termos tido um Natal / Ano Novo tradicional, saímos felizes com tudo que vivenciamos por lá e com o sentimento de ter de fato contribuído para o crescimento deles. É impressionante o impacto que a educação gera em uma sociedade pobre como a Etiópia. Segundo os gestores do programa, é esperado que cada uma daquelas crianças impacte dezenas de pessoas na sua comunidade e futuramente contribua de volta para o programa, de forma a criar um círculo virtuoso.
Para fechar, ficamos muito próximos de alguns estudantes do Sudão do Sul, os quais tem uma história incrível. O país, criado recentemente em 2011, vive uma guerra civil desde 2013 e com isso várias pessoas tiveram que abandonar o país para viver em campos de refugiados na Etiópia. Apesar de todas adversidades, essas crianças mantiveram os esforços na educação e foram premiadas com a chance de fazer parte da família EEF. Ficamos extremamente felizes em saber que recentemente um deles foi aprovado para entrar na NYU (New York University), no campus de Abu Dhabi. 👏😍
Essas e outras histórias nos dão certeza da importância do programa na vida dessas crianças e nos deixam felizes de ter contribuído um pouquinho com o desenvolvimento delas. 😊


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